Lucro Presumido: afinal, é, ou não, obrigatório fazer a contabilidade
Atuo como consultor em empresas de pequeno e médio porte, onde a maioria é optante do Lucro Presumido e/ou do Simples Nacional. Poucas se utilizam da contabilidade para gerenciamento dos resultados.
Em substituição à contabilidade, elas fazem o gerenciamento através de planilhas de Excel ou de algum software de gestão. O escritório de contabilidade acaba sendo acionado apenas para a área de pessoas e atendimento às exigências legais junto ao fisco.
As poucas, muito poucas, que se interessam em usar a contabilidade esbarram numa posição de alguns contadores que, baseados erroneamente no art. 600 do Decreto n° 9.580/18, entendem que, para os optantes tanto do Presumido quanto do Simples, não há necessidade da escrituração contábil formal.
Ouço esse argumento, da não necessidade de contabilidade, há muitos anos.
Antes de falarmos da obrigatoriedade, ou não, faço a pergunta: o que leva um empresário a se desinteressar pela contabilidade?
Temos tudo lá: receitas, custos, lucros, saldos a receber e a pagar, inclusive a conta-corrente dos sócios. Tudo gerado automaticamente.
Toda empresa, com certeza, tem contrato com um escritório de contabilidade. É só enviar a documentação para o contador que, em seguida, a empresa receberá um balancete com todas as informações básicas. E com uma vantagem: de maneira totalmente segura e auditável.
Nenhum software de gestão substitui a necessidade de um balanço ou balancete contábil. Até porque, o balanço é linguagem universal e existe há séculos, desde quando Frei Luca Pacioli inventou a contabilidade com suas famosas partidas dobradas. Isso no ano de 1.492!
Entendo que uma empresa cujos sócios desprezam essa ferramenta corre sérios riscos de continuidade, pois navega sem rumo, já que a contabilidade e um budget bem projetados são fundamentais para um norte seguro.
Minha recomendação aos empresários é que eles exijam do seu departamento financeiro a obrigatoriedade de utilizar os dados de balanço para a elaboração dos relatórios financeiros da empresa, e que valorizem o escritório de contabilidade. Ele é um parceiro importante para a empresa.
Todos ganham com isso. Essa recomendação vale para qualquer tamanho de empresa ou opção tributária – Lucro Real, Presumido ou Simples.
Voltando à parte legal.
O art. 600 do Decreto n° 9.580, de 22 de novembro de 2018, estabelece:
A pessoa jurídica habilitada à opção pelo regime de tributação com base no lucro presumido deverá manter:
I – Escrituração contábil nos termos da legislação comercial;
II – Livro Registro de Inventário, do qual deverão constar registrados os estoques existentes no término do ano-calendário; e
III – em boa guarda e ordem, enquanto não decorrido o prazo decadencial e não prescritas eventuais ações que lhes sejam pertinentes, os livros de escrituração obrigatórios por legislação fiscal específica e os documentos e os demais papéis que serviram de base para escrituração comercial e fiscal.
Parágrafo único. O disposto no inciso I do caput não se aplica à pessoa jurídica que, no decorrer do ano-calendário, mantiver livro-caixa, no qual deverá estar escriturada toda a movimentação financeira, inclusive bancária.
Imagino que esse parágrafo único seja o gerador do mito da não necessidade da contabilidade.
A Receita Federal criou a legislação do Lucro Presumido com a ideia de simplificação na apuração dos tributos – o que convém a ela, é claro. Portanto, essa “simplificação” atém-se à apuração e pagamento dos tributos. Nem poderia ser diferente, já que ela não tem poderes para eximir as empresas das responsabilidades da legislação comercial, previstas no Código Civil.
Quando analisamos o Código Civil, fica clara a obrigatoriedade da contabilidade e do respectivo balanço contábil.
O artigo 1.179 do Código Civil – Lei 10.406/02, de 10 de janeiro de 2002 – estabelece que:
O empresário e a sociedade empresária são obrigados a seguir um sistema de contabilidade, mecanizado ou não, com base na escrituração uniforme de seus livros, em correspondência com a documentação respectiva, e a levantar anualmente o balanço patrimonial e o de resultado econômico.
- 2º É dispensado das exigências deste artigo o pequeno empresário a que se refere o art. 970.Esse artigo 970 diz:
Art. 970. A lei assegurará tratamento favorecido, diferenciado e simplificado ao empresário rural e ao pequeno empresário, quanto à inscrição e aos efeitos daí decorrentes.
Quem são esses pequenos empresários a quem o Código Civil se refere? As microempresas.
A referência aparece claramente na Lei Complementar 123/06, que instituiu o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, em seu artigo 68:
Art. 68. Considera-se pequeno empresário, para efeito de aplicação do disposto nos arts. 970 e 1.179 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), o empresário individual caracterizado como microempresa na forma desta Lei Complementar que aufira receita bruta anual até o limite previsto no § 1o do art. 18-A.
Como se vê, só as microempresas estão isentas dessa obrigatoriedade.
De fato, a Receita Federal dispensa a contabilidade formal, porém com fim exclusivo de apuração e pagamento de tributo. No entanto, exige que se escriture o livro-caixa com toda movimentação financeira e bancária.
Escriturar o livro-caixa na forma que a Receita Federal exige – não na forma que alguns contadores fazem – dá mais trabalho que fazer a contabilidade tradicional. Se dá mais trabalho, por que não fazer, então, a contabilidade formal?
Mesmo que a lei isentasse as empresas de médio e grande porte da obrigatoriedade – como se observa, a isenção é apenas para as micro –, eu continuaria insistindo pela elaboração da contabilidade, uma ferramenta importante de gestão.
Meu último argumento envolve dinheiro, ou risco de autuação fiscal. Não só pelo não cumprimento das exigências do Código Civil, mas, principalmente, na distribuição dos lucros aos sócios.
Como dito acima, a Receita simplificou o que interessa a ela: a apuração dos tributos.
Para a distribuição dos lucros, ela simplificou ainda mais ao estabelecer que, no caso de empresa optante pelo Lucro Presumido, o valor a ser distribuído a título de lucros é o valor correspondente ao lucro presumido, diminuído de todos os impostos e contribuições a que estiver sujeita a pessoa jurídica. Nas empresas de serviços, seria o resultado dos 32% sobre a receita bruta, menos os impostos – PIS, COFINS, IRPJ e CSLL.
Esse valor encontrado como limite para a distribuição do lucro é uma ficção, já que no dia a dia os resultados são outros. Pode ser um lucro superior ou inferior a essa fórmula ou até mesmo um prejuízo.
O sócio, ao considerar esses valores como lucros recebidos, corre o risco de uma malha fina em seu imposto de renda, já que esses valores com certeza não foram os valores que transitaram em sua conta-corrente.
Se intimado pela Receita, caso tenha recebido menos que a base de cálculo, a intimação se resolve com a retificação da sua declaração de renda.
No entanto, se ele recebeu valor superior à base de cálculo, o risco de autuação é alto. A menos que a empresa, ao distribuir esse excedente, tenha feito a retenção do IR na fonte de acordo com a tabela de assalariados.
É o que dizem os parágrafos 1° e 2° do art. 725 do atual Regulamento do IRPJ – Decreto n° 9.580/18:
Art. 725. Os lucros ou dividendos calculados com base nos resultados apurados a partir do mês de janeiro de 1996, pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, presumido e arbitrado, não ficam sujeitos à incidência do imposto sobre a renda na fonte, nem integram a base de cálculo do imposto sobre a renda do beneficiário, pessoa física ou jurídica, residente ou domiciliado no País ou no exterior (Lei nº 9.249, de 1995, art. 10, caput).
- 1º O disposto no caput não se aplica à parcela do lucro que ultrapassar o valor do lucro presumido ou arbitrado, deduzido do imposto sobre a renda da pessoa jurídica, da CSLL, da Cofins e da Contribuição para o PIS/Pasep.
- 2º A parcela dos lucros ou dividendos que exceder o valor previsto no § 1º poderá ser distribuído sem a incidência do imposto sobre a renda na fonte, desde que a pessoa jurídica demonstre, por meio de escrituração contábil, que o lucro efetivo é maior do que o determinado de acordo com as normas para a apuração da base de cálculo do imposto sobre a renda.
Ou seja, sem contabilidade, esse excedente, se houver, deve ser tributado, podendo chegar aos 27,50%.
Se não bastasse a necessidade da contabilidade para uma boa gestão, esse é mais um argumento pró-contabilidade.
Embora não seja objeto deste artigo, aproveito para falar sobre outro mito: o de que o Lucro Presumido é melhor, pois a Receita Federal não fiscaliza quem opta por esse regime.
Por conta disso, muitas empresas acabam pagando mais imposto ao não optarem pelo Lucro Real, que em algumas situações – por exemplo, um ano com pouca expectativa de lucro – é mais vantajoso.
O empresário precisa ficar atento, pois a melhor opção não é o Lucro Real, o Presumido ou o Simples, mas sim aquela em que, no final, se pagará menos imposto. Para isso, é necessário fazer uma simulação das três opções no início do ano ou antes dos prazos estabelecidos para a opção.
Para finalizar, quero enfatizar que não sou advogado, tributarista ou contador, sou consultor em gestão, e que os objetivos deste artigo são dois: demonstrar que, sim, é obrigatória a elaboração da contabilidade; e – o objetivo principal – conscientizar o empresário da importância da contabilidade como uma das ferramentas fundamentais na gestão da sua empresa.
Antônio Lino Pinto
Sócio da Viramundo Consultoria em Gestão
Fonte: https://www.contabeis.com.br/