
Mudanças climáticas pressionam custos e operação dos estabelecimentos de alimentação fora do lar
À luz da COP-30, realizada recentemente em Belém (PA), as mudanças climáticas voltaram ao centro das discussões nacionais. A proximidade do tema com a realidade dos brasileiros mostra uma situação alarmante, visto que os impactos dessas mudanças já são sentidos no dia a dia de setores essenciais da economia, e dentre eles, o de alimentação fora do lar.
Segundo o IBGE, a agricultura familiar é responsável por 67% da mão de obra no campo e responde por cerca de 70% dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros. Mesmo com esse papel de protagonismo, é uma das mais vulneráveis às mudanças climáticas, especialmente por ter menos recursos para se adaptar e se proteger dos seus impactos. A ameaça recai tanto sobre a perda da produção quanto sobre o trabalho das pessoas envolvidas nessa cadeia.
Nesse cenário, culturas essenciais para a mesa do brasileiro como mandioca, milho, feijão, arroz, soja, café e cana-de-açúcar, são impactadas em todo o país. Conforme o Observatório do Clima, com a redução da produção, as perdas acumuladas já somam USD$ 7 bilhões, com a tendência de agravamento, principalmente no Norte e Nordeste.
Para os empreendedores do setor, isso significa lidar com insumos mais caros e, muitas vezes, de qualidade reduzida. “As mudanças climáticas impactam toda a cadeia produtiva do alimento. Nós que trabalhamos com hortaliças orgânicas vemos isso no preço. Produtores perdem grande parte da produção por estiagens ou chuvas excessivas. Aqui no restaurante, preservamos a qualidade, mas pagamos mais caro para manter o padrão”, afirma Márcia Quatrin Peripolli, proprietária do Café com PANC, em Porto Alegre (RS).
Os efeitos não se limitam ao campo. Para os estabelecimentos, emergem desafios relacionados ao aumento do preço da energia e à disponibilidade de água, recursos fundamentais para a operação. Em períodos de estiagem ou eventos extremos, esses custos podem subir significativamente, pressionando ainda mais a margem dos negócios e exigindo planejamento para garantir a continuidade do serviço.
A própria adoção de práticas sustentáveis, diante desse cenário, pode representar um desafio. Márcia explica que o negócio investe em embalagens ecológicas, como marmitas de bagaço de cana e copos de papel, além de evitar plásticos e reduzir o uso de vidro. “Essas escolhas aumentam nossos custos em relação às embalagens convencionais. Seria importante que houvesse políticas públicas para incentivar quem adota práticas ecológicas, como descontos em impostos”, defende.
Além dos pratos, mudanças também chegam às taças
As intempéries climáticas não afetam apenas os ingredientes dos pratos. Por exemplo, elas sensibilizam as lavouras de uvas e prejudicam a produção de vinhos, o que traz impactos sobre a qualidade e os preços, mudanças sentidas diretamente pelo consumidor. Segundo Diego Bertolini, empresário e especialista de mercado de vinhos, o clima mais instável e extremo altera diretamente o ciclo da videira e a forma como a uva amadurece.
“Em regiões mais quentes, o amadurecimento é acelerado, com maior concentração de açúcar, resultando em vinhos mais alcoólicos e menos ácidos. Já em áreas frias ou com chuvas intensas, acontece o contrário: uvas com menos açúcar e vinhos mais leves”, explica.
Essas alterações mudam a tipicidade tradicional das regiões produtoras, exigindo atenção dos bares e restaurantes na curadoria e na harmonização. Além disso, cresce a demanda por vinhos sustentáveis e de menor intervenção, tendência que já se reflete no Brasil. Produtores que adotam práticas como manejo orgânico, viticultura regenerativa e fermentações naturais agregam valor e autenticidade às cartas de vinhos.
Para os empreendedores, acompanhar essas mudanças é essencial. O consumidor busca cada vez mais rótulos com propósito, histórias reais e práticas sustentáveis, fatores que podem diferenciar a experiência e fortalecer o posicionamento do negócio.
Responsabilidade compartilhada
A necessidade de colaboração entre setor privado e governo é consenso. Para Luiza Campos, líder de ASG da Abrasel, “o enfrentamento às mudanças climáticas exige ação conjunta. É fundamental que empresas do setor incorporem práticas sustentáveis e que políticas públicas ofereçam condições para isso. Proteger o meio ambiente é também garantir a continuidade dos negócios”.
Fonte: Abrasel



