Empresas devem buscar eficiência antes de repassar custos ao consumidor
De acordo com Paulo Solmucci, presidente da Abrasel, os estabelecimentos têm buscado oferecer promoções diárias de certos pratos ou, no caso das carnes, diminuir as porções e até mesmo ofertar duas opções, uma com mais e outra com menos carne.
Diante da escalada de preços devido à alta da inflação, um dos principais dilemas dos empreendedores é repassar ou não o custo aos consumidores.
A Pesquisa de Impacto da Pandemia de Coronavírus nos Pequenos Negócios, publicada em junho pelo Sebrae, apontou que, para os empresários, não são mais os impactos da Covid-19 que afetam negativamente as companhias. Os grandes desafios agora são justamente o aumento de custos e a falta de clientes.
Para Giovanni Beviláquia, coordenador de acesso a crédito e investimentos do Sebrae Nacional, o efeito desses problemas nos negócios vem de dois lados. “Pelo lado da empresa, o aumento dos custos reduz a margem de lucro, e é muito difícil fazer repasses direta e totalmente para os clientes. E os consumidores, ao se depararem com preços mais altos, avaliam mais cuidadosamente seus gastos.”
O repasse, porém, muitas vezes é inevitável.
De acordo com Leandro Reale, professor de administração da Faap (Fundação Armando Álvares Penteado), ele acontece ou porque as empresas não podem mesmo absorver todo o aumento dos preços dos últimos dois anos ou porque não têm “gordura” para tentar fazê-lo.
“Existe ainda uma falta de controle ou um desperdício desnecessário não só no fornecimento, mas também na operação do negócio em si. Pode ser na logística, na embalagem, no produto ou em outras partes da empresa”, diz o professor. Um olho atento a isso poderia ser uma saída para diminuir os custos de operação e segurar os repasses, afirma Reale.
Edgard Barki, professor da FVG-Eaesp (Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas), diz que pode ser mais difícil fazer o aumento em produtos competitivos, pois as pessoas comparam os seus preços nos estabelecimentos. Uma solução pode ser diluir o repasse em outros itens, a depender do setor de atuação da companhia.
“Existe ainda uma falta de controle ou um desperdício não só no fornecimento, mas na operação. Pode ser no produto ou em outras partes da empresa”, disse Leandro Reale, professor da FAAP.
Fabiano Ongaratto, dono de uma churrascaria e de um self-service de carnes em Vitória (ES), implementou mudanças no cardápio para diminuir o impacto na conta dos clientes.
Os alimentos tiveram a segunda maior alta acumulada do IPCA nos últimos 12 meses. O índice do setor chegou a 13,4% em agosto, atrás apenas de vestuário (17,4%). A média geral ficou em 8,7%.
Ainda que nos últimos meses as carnes tenham tido uma deflação, o preço chegou a subir 1,38% em dezembro do ano passado, quase o dobro do índice geral para aquele mês, que ficou em 0,73%.
Assim, Ongaratto passou a trabalhar com cortes diferentes dos tradicionais em sua churrascaria. “Isso tem nos permitido oferecer ao nosso cliente novos sabores e novas texturas. Por outro lado nos ajuda bastante a controlar o custo praticado.”
No bufê, a estratégia tem sido aprimorar a combinação dos pratos oferecidos, evitando itens que estão com preço mais alto. Assim, quando um produto está mais caro, é substituído ou utilizado de maneira diferente, como em molhos, até que seu valor volte a baixar. Essa reinvenção tem sido chave para o setor se recuperar após a pandemia e em meio à alta inflacionária.
De acordo com Paulo Solmucci, presidente da Abrasel, os estabelecimentos têm buscado oferecer promoções diárias de certos pratos ou, no caso das carnes, diminuir as porções e até mesmo ofertar duas opções, uma com mais e outra com menos carne.
Para bares e restaurantes, em caso de repasse, o índice deve ficar abaixo da inflação média, de 7,75% no acumulado de 12 meses. Solmucci diz ainda que há uma melhora do setor —ele estima crescimento de 8% neste ano em comparação a 2019, antes da pandemia.
Entre os destaques está o delivery, impulsionado pela crise sanitária, e o fato de a alta dos preços ser maior para a alimentação em domicílio —15,63% no acumulado de 12 meses, pouco mais que o dobro da refeição fora de casa.
Diante de um cenário de aperto, o empreendedor pode sentir a necessidade de buscar empréstimos, algo desaconselhado pelos especialistas. “O crédito está caro. Buscá-lo pode aliviar a situação agora, mas gerar um problema para o futuro”, diz Barki, da FGV.
Reale, da Faap, reforça ainda que, antes de buscar crédito é preciso tentar ser mais eficiente na parte de vendas. “Ações pequenas fazem diferença tanto para quem está comprando como para quem está vendendo.” Ele cita como exemplo a oferta de frete grátis na compra de mais de um item.
Mas se o empreendedor estiver em uma situação em que não há outro jeito, o professor da FGV recomenda pesquisar as melhores condições, não apenas nas taxas de juros, mas no prazo, para que esteja de acordo com o fluxo de caixa.
Beviláqua também recomenda atenção e cautela, já que as taxas de operações de crédito acompanharam a alta da Selic, hoje em 13,75% ao ano. Em junho de 2022, dados do Banco Central apontaram que a média dos juros cobrados para os pequenos negócios estava em torno de 35% ao ano.
Por outro lado, o Brasil entrou num cenário de deflação. “Portanto, esperamos para os próximos meses redução da inflação e mais emprego, daí mais renda, o que tende a melhorar a situação”, diz.
Fonte: Folha de S. Paulo