Integração do Pix desafia lojista
Para o presidente da Abrasel, Paulo Solmucci, existem alguns fatores que atrapalham a maior inserção do pagamento instantâneo nas vendas presenciais
Apesar da ampla disseminação do Pix no país, alguns fatores ainda dificultam a vida do lojista na hora de aceitar os pagamentos em seus estabelecimentos. A avaliação de especialistas e profissionais do setor é de que, quase um ano e meio após o lançamento do pagamento instantâneo, ainda faltam soluções que tornem mais eficiente sua integração com os sistemas utilizados pelos lojistas. Para eles, esse é um nicho de mercado a ser explorado.
“Se você fizer um pagamento via Pix para um lojista, como é que ele vai comprovar que o pagamento foi feito? Em muitos casos, vai ter que pegar um celular e acessar o banco. Se quem estiver operando o caixa não tiver acesso à conta, ainda pode ter que entrar em contato com alguém para confirmar”, exemplifica Edson Santos, sócio fundador da consultoria Colink e especialista no mercado de meios eletrônicos de pagamento.
Santos acredita que muito já foi feito para melhorar a experiência de pagamento do consumidor, mas que a jornada do vendedor ficou em segundo plano. Estudo divulgado neste ano pela Colink junto à ACI Worldwide avalia que o comerciante ainda sofre com sistemas que não se comunicam, o que exige dele um trabalho adicional para administrar seus recebimentos no fim do dia.
A consultoria ouviu executivos das principais credenciadoras e subcredenciadoras do país e, para 47% deles, há uma oportunidade a ser explorada na integração do Pix com a frente de caixa do lojista. No mundo físico, essa é uma tarefa mais complexa do que do que no e-commerce. “Poucas empresas conseguem integrar a confirmação de que uma transação foi concluída na boca do caixa. Há muitas oportunidades aí”, diz Santos.
Outra pesquisa, realizada recentemente pela Abrasel com 1.200 estabelecimentos, mostrou que 93% deles já aceitam o Pix como meio de pagamento. Apenas 3%, no entanto, afirmam que esse é o principal método usado pelos clientes no salão ou balcão. No delivery, o percentual sobe para 7%.
De acordo com o presidente-executivo da Abrasel, Paulo Solmucci, há fatores tanto pelo lado dos consumidores quanto dos comerciantes que atrapalham a maior inserção do pagamento instantâneo nas vendas presenciais. Pelo lado de quem compra, a experiência de pagamento pelo Pix ainda não é tão rápida quanto pelo cartão. “Além disso, como normalmente o preço cobrado é o mesmo, boa parte da população prefere os benefícios do cartão de crédito.”
Já do ponto de vista do lojista, Solmucci destaca as questões operacionais. “Para o estabelecimento, o melhor dos mundos seria receber via Pix, já que é instantâneo, mas por que muitos não incentivam? Os sistemas de gestão ainda não permitem a diferenciação de preços de maneira fácil e há dificuldade para se controlar o pagamento. Os sistemas não facilitam a conciliação, diferentemente do que ocorre no e-commerce”, afirma.
Ele observa que a indústria de softwares é pulverizada e com frequência são necessários ajustes para que os estabelecimentos consigam conversar com diferentes plataformas. Para o setor, a Abrasel defende a implementação do “open delivery”, um padrão único e aberto de programação para integrar diferentes aplicativos de entrega, cardápios digitais, sistemas de ponto de venda e de gestão.
O consultor Marcio Blak, diretor da consultoria Food&Franquias, lembra que o Pix nasceu com foco nas transações entre pessoas físicas (tendo como primeiro efeito a substituição das transferências via TED e DOC), mas que já tem sido observada uma maior disseminação no universo que inclui as empresas.
De acordo com o Banco Central (BC), em fevereiro, foram feitas 841,6 milhões de transações via Pix entre pessoas físicas, o que corresponde a 72% do total. Ao mesmo tempo, foram 206,7 milhões de operações de pessoas físicas para empresas, ou 18% do total. Há um ano, esses percentuais eram de 79% e 9%, respectivamente.
Como o instrumento não foi desenhado inicialmente para o mundo físico, até agora o mercado não pensou a fundo nas dificuldades de implementação em alguns cenários, diz Anderson Locatelli, CEO da Sled, plataforma que se conecta a diferentes sistemas para garantir captura da transação, fechamento de caixa e conciliação. Ele cita, primeiramente, questões ligadas à infraestrutura já existente no varejo físico. “Há uma miscelânea de softwares e os processos ainda estão muito desacoplados.”
Além disso, Locatelli explica que o consumidor ainda vive uma jornada mais analógica de pagamento e o Pix não se inseriu de forma expressiva no varejo físico, o que também acaba atrasando o desenvolvimento de soluções específicas para esse nicho. Ele vê grande potencial de crescimento neste mercado. Hoje, a empresa trabalha com uma rede de 150 varejistas, o que representa mais de 2 mil lojas. A meta para o fim do ano é chegar a 600 redes.
A integração do Pix com os diversos sistemas pode beneficiar lojistas de diferentes portes, avalia ainda Henrique Rebello, diretor executivo da Alterdata Software, empresa que oferece softwares para diferentes segmentos. “Inclusive, para o cliente menor tem um grande atrativo, porque ele consegue reduzir custos. A margem dele no cartão de débito é muito menor que no Pix, até porque ele tem pouco poder de barganha com as empresas de cartão.” A empresa tem hoje 60 mil clientes ativos e espera crescer 20% no ano.
Para Black, da Food&Franquias, a tendência é o instrumento se tornar cada vez mais abrangente, impulsionado pela digitalização. A analista em Capitalização e Serviços Financeiros do Sebrae Cristiana Araujo destaca ainda que avanços implementados pelo BC, como as funções de saque e troco, cobrança e débito automático, também devem ajudar a dar maior robustez ao meio de pagamento.
Fonte: Valor Econômico